Fight Club

Clube de Combate: memoravelmente ameaçador

Nenhum Óscar lhe foi atribuído, no entanto é um dos filmes mais polémicos e memoráveis da década de 90, estendendo esse título até aos dias de hoje. Com uma panóplia de temas grosseiramente abordados, tudo nos aponta para vários cenários possíveis, menos para o do final. É aí que David Fincher aposta todas as suas jogadas. Terá valido a pena?

Toda a história se centra numa personagem, a do narrador que vive atormentado com insónias e numa profunda depressão. Dando uma volta de 360º, tudo muda quando conhece Tyler Durden, um vendedor de sabonetes. Ambos iniciam uma relação simbiótica que revoluciona por completo o espírito do narrador. O que começa por ser um simples clube de luta, onde homens podem exteriorizar a sua raiva, acaba num tubo de ensaio para algo de bem maior escala, uma organização terrorista niilista.

Torna-se fácil reconhecer as mazelas de uma sociedade consumista e solitária, basta olhar para as pessoas que a compõem e estar atento às feridas expressamente abertas. Fincher lança toda uma sátira à volta do consumismo e a mensagem recorrente é que somos “subprodutos obcecados por um estilo de vida”. Tudo o que é crime, violência e pobreza não nos diz respeito.

A verdade é que este mote toma proporções físicas gigantes que se traduzem numa clara ameaça à civilização moderna. Os supostos homens atormentados pelos vários acontecimentos da vida encontram um escape para o sofrimento que sentem. Como? Entrando em lutas com outras pessoas e perdendo, porque a dor física nunca seria pior que viver numa sociedade alienada. O caricato é que estas lutas propositadamente perdidas são o oposto do que acontece no mundo do capitalismo, em que empresas competem para se tornarem vencedoras de um produto que é a própria de comunidade.

Mas os extremos nunca dão certo. Na história tudo começa por o tal “bem maior”. Uma minoria sente-se deslocada ao aperceber-se que tudo à sua volta não corresponde ao ideal. Ideias radicais surgem. Começa-se por um pequeno vandalismo que vai ganhando dimensões incontroláveis. Numa fração de segundos, espalha-se rapidamente como a peste. Depois aqueles que são os defensores de um sistema melhor acabam por se transformarem nos piores inimigos do ser humano. Porquê? O nicho dos heróis está criado, todos os outros estão empestados com hábitos de consumo perigosos e “temos de os libertar”.

O problema da incomunicabilidade também está aqui bem explícito, assim como o estado mental do protagonista. O ator principal é um “escravo de colarinho branco” e, preso às amarras do trabalho e da mente, vê nos grupos de apoio uma forma de libertar as suas emoções. Lidar com a incapacidade de ser o “eu perfeito” pode ser um processo excessivamente deprimente e, num universo que mergulha na correria social e no egoísmo, é pouco o tempo que as pessoas têm para ouvir a dor alheia. Deste modo, é nestas reuniões que o narrador se apercebe que é essencial escutar e compartilhar com os outros os dissabores vivenciados.

Após todas estas temáticas, que estão bem exploradas no filme, saliento o bom trabalho na escolha das personagens. Edward Norton interpretou o papel de uma forma emocionalmente convincente que, por momentos, deixamos de distinguir a realidade da ficção. Brad Pitt também desempenhou um dos papéis mais subvalorizados, conjugando o seu lado mais divertido, com o charme que lhe é tão característico.

Na parte técnica é de louvar todos os movimentos de câmara, porque não só são demonstrativos de todos os cenários que rodeia a cena, como capta o mais íntimo das personagens. Realço ainda, a paleta cromática desta obra cinematográfica que se resume a cores muito frias ou a cores muito quentes. De certo modo, remonta para a ausência de um meio termo no decorrer da narrativa. É tudo exacerbado.

Por fim, Fincher oferece-nos um final bastante inesperado e não tão coerente. Apesar de todo o esforço na construção de uma narrativa diferente que critica avidamente os homens que se mantêm dependentes de certos estilos de vida, o plot twist final deixa um sentimento indecisão – não sei se gosto ou desgosto.

Cláudia Araújo

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